segunda-feira, 16 de julho de 2012

Biografia George Whitefield – J. C. Ryle Parte 3 Capítulo 2 Reavivamento Religioso na Inglaterra no Século XVIII



Que uma grande mudança, para melhor, aconteceu na Inglaterra nos últimos cem anos é um fato o qual, eu suponho, nenhuma pessoa bem informada jamais tentaria negar. Seria tão difícil negar isto, quanto negar que houve uma Reforma Protestante nos dias de Lutero, um Longo Parlamento no tempo de Cromwell, ou uma República Francesa no fim do último século. Houve uma grande mudança para melhor. Tanto na religião, quanto na moral, o país passou por uma completa revolução. As pessoas não pensam, não falam, nem agem como faziam em 1750. Este é um grande fato, que os filhos deste mundo não podem negar, por mais que tentem explicá-lo. Negar isso seria tão difícil quanto persuadir-nos de que a maré alta e a maré baixa sob a ponte de Londres são uma e a mesma coisa.
Mas por que meio foi efetuada esta grande mudança? A quem devemos este imenso melhoramento da situação religiosa e moral que, sem dúvida, ocorreu na Inglaterra? Quais, em uma palavra, foram os instrumentos que Deus empregou para realizar a grande Reforma Inglesa do século dezoito? Este é o ponto que desejo examinar de um modo geral, no presente capítulo. Os nomes e biografias dos principais agentes, eu reservarei para os capítulos subseqüentes.
O governo do país não pode reivindicar o crédito pelas mudanças. Moralidade não pode vir à existência através de decretos-lei e estatutos. Até hoje as pessoas nunca vieram a ser religiosas por meio de atos parlamentares. De qualquer forma, os parlamentos e administrações do século passado fizeram tão pouco pela religião e moral quanto quaisquer outros que já existiram na Inglaterra.
Nem tampouco as mudanças vieram da Igreja da Inglaterra como um corpo. Os lideres daquela venerável entidade estavam totalmente desqualificados para as necessidades da época. Entregue a si mesma, a Igreja da Inglaterra provavelmente teria morrido apesar de toda a sua ‘dignidade' e submergido em seus próprios esteios.
Nem tampouco as mudanças vieram dos não-conformistas. Satisfeitos com seus trunfos adquiridos a duras penas, aquela digna classe de homens parecia ter parado de remar. Em pleno gozo do seu direito de consciência, eles esqueceram os grandes princípios vitais de seus antepassados e seus próprios deveres e responsabilidades.
Quem, então, foram os reformadores do século passado? A quem, abaixo de Deus, estamos em débito pelas mudanças que ocorreram?
Os homens que efetuaram a nossa libertação da situação em que nos encontrávamos há cem anos atrás foram uns poucos indivíduos, a maioria deles ministros da Igreja da Inglaterra, cujos corações Deus tocou mais ou menos ao mesmo tempo em várias partes do país. Eles não eram prósperos nem altamente relacionados. Eles não tinham nem dinheiro para comprar seguidores, nem influência familiar para demandar atenção e respeito. Eles não eram colocados em evidência por nenhuma igreja, partido, sociedade, ou instituição. Eles eram simplesmente homens a quem Deus chamou e levantou para realizar Sua obra, sem acordos, esquemas ou planos prévios. Eles fizeram Sua obra no antigo modo apostólico, tornando-se os evangelistas de seus dias. Eles ensinaram um conjunto de verdades. Eles as ensinavam do mesmo modo, com calor, veracidade e dedicação, como homens plenamente convencidos do que ensinavam. Eles as ensinavam no mesmo espírito, sempre amoroso, compassivo e, como Paulo, até mesmo chorando, mas sempre ousados, inabaláveis e não temendo a face de homens. E eles as ensinavam seguindo o mesmo método, sempre agindo na ofensiva, não esperando que os pecadores viessem a eles, mas buscando e procurando-os; não perdendo tempo sentados, esperando até que os pecadores se oferecessem para se arrepender, mas tomando de assalto os redis de impiedade, como homens atacando uma brecha, não dando descanso aos pecadores enquanto estivessem agarrados aos seus pecados.
O movimento desses corajosos evangelistas sacudiu a Inglaterra de uma ponta à outra. A princípio, as pessoas nas altas camadas, tentaram desprezá-los. Os homens letrados escarneciam deles como fanáticos; os ‘sábios' faziam piadas, e inventavam apelidos para eles; a igreja fechou-lhes as portas; os não-conformistas deixaram-nos de lado; a massa ignorante perseguia-os. Mas o movimento desses poucos evangelistas continuou, e se fez sentir em cada parte do país. Muitos foram levantados e despertados para pensar sobre a religião. Muitos foram humilhados por causa de seus pecados. Muitos se reprimiram e assustaram-se diante da sua própria impiedade. Muitos foram reunidos e levados a professar uma religião vigorosa e decidida. Muitos foram convertidos. Muitos que discordavam do movimento foram secretamente estimulados a tentarem se igualar a eles. O pequeno rebento tornou-se uma forte árvore; o pequeno córrego tornou-se um profundo e largo rio; a pequena centelha tornou-se uma chama firme a queimar. Uma vela foi acesa, da qual nós agora desfrutamos o beneficio. O sentimento sobre religião e moralidade de todas as classes no país assumiu um aspecto totalmente diferente. E tudo isto, sob a direção de Deus, foi realizado por uns poucos aventureiros sem patrocinadores e sem pagamento! Quando Deus toma uma obra nas mãos, nada pode pará-la. Quando Deus é por nós, ninguém pode ser contra nós.
A instrumentalidade pela qual os reformadores espirituais do século passado levaram avante sua ação é facílima de ser descrita. Não foi mais nem menos do que a antiga arma apostólica da pregação. A espada que o apóstolo Paulo empunhou com poderoso efeito, quando ele tomou de assalto as fortalezas do paganismo dezoito séculos atrás, foi a mesma espada pela qual eles obtiveram suas vitórias. Dizer, como alguns têm dito, que eles negligenciaram a educação e escolas, é totalmente incorreto. Aonde quer que eles estabelecessem congregações, eles educavam as crianças. Dizer, como outros têm dito, que eles negligenciaram os sacramentos, é simplesmente falso. Aqueles que fazem tal afirmação apenas revelam sua inteira ignorância da história religiosa da Inglaterra de cem anos atrás. Seria fácil citar homens entre os lideres reformadores do século passado cujos membros comungantes poderiam ser contados às centenas, e que honravam a Ceia do Senhor mais do que quarenta e nove de cinqüenta outros ministros em seus dias. Mas, além de qualquer dúvida, a pregação era a arma favorita deles. Eles sabiamente retornaram aos primeiros princípios e adotaram os métodos apostólicos. Eles sustentavam, junto com o apóstolo Paulo, que a principal tarefa de um ministro é ‘pregar o Evangelho'.
Eles pregavam em todo lugar. Se o púlpito de uma paróquia da Igreja estava aberto para eles, eles alegremente se colocavam à disposição. Se não pudessem conseguir um púlpito, eles estavam igualmente prontos para pregar em um celeiro. Nenhum lugar lhes parecia impróprio. No campo ou ao lado de uma rua, num parque ou num mercado, em travessas ou vielas, em porões ou sótãos, em cima de uma barrica ou de uma mesa, em cima de um banco ou de um degrau, aonde quer que pudessem reunir ouvintes, os reformadores espirituais do século passado estavam prontos para falar-lhes a respeito de suas almas. Eles estavam prontos a tempo e fora de tempo para fazer o trabalho de pescadores de homens e circundavam o mar e a terra levando avante a obra do Pai. E isto era algo novo. Podemos nós imaginar que isto produziu um grande resultado?
Eles pregavam de modo simples. Eles corretamente concluíram que o primeiro requisito a ser alcançado em um sermão, é que seja entendido. Eles perceberam claramente que milhares de hábeis e bem compostos sermões eram totalmente inúteis, porque estavam acima da capacidade dos ouvintes. Eles se esforçaram para descer ao nível do povo, e para falar o que o povo podia entender. Para alcançar isto, eles não se envergonhavam de crucificar o seu estilo e de sacrificar sua reputação de eruditos. Para atingir este objetivo, eles usaram ilustrações e exemplos em abundância, e, como seu Mestre divino, fizeram uso de lições extraídas de cada objeto na natureza. Eles colocaram em prática o dito de Agostinho: ‘Uma chave de madeira não é tão bonita quanto uma de ouro, mas se ela puder abrir a porta enquanto a de ouro não, ela é muito mais útil.' Eles reviveram o estilo dos sermões através dos quais Lutero e Latimer costumavam obter eminente sucesso. Em poucas palavras, eles perceberam a verdade que o grande reformador alemão queria dar a entender quando disse: ‘Ninguém pode ser um bom pregador para o povo, senão estiver disposto a pregar de uma maneira que possa parecer infantil e vulgar a alguns'. E tudo isto era também completamente novo há cem anos atrás.
Eles pregavam com fervor e de modo direto. Eles colocaram de lado aquele modo enfadonho, frio, pesado e sem vida de pregar, o qual há muito havia feito dos sermões um sinônimo do que é tedioso. Eles proclamavam as palavras de fé com fé, e a história da vida, com vida. Eles falavam com ardente zelo, como homens que estavam totalmente persuadidos de que o que diziam era verdade, e que ouvir o que pregavam era algo da maior importância para o benefício eterno deles. Eles falavam como homens que tinham uma mensagem de Deus para você, e que precisavam entregá-la, e que tinham que obter sua atenção enquanto a comunicavam. Eles colocavam o coração, a alma e sentimentos nos seus sermões e despediam seus ouvintes para casa convencidos, afinal, de que o pregador fora sincero e queria o bem deles. Eles acreditavam que você deve falar do coração se você deseja falar ao coração, e que deve haver indiscutível fé e convicção no púlpito para que venha a haver fé e convicção nos bancos. Tudo isto, eu repito, era algo que havia se tornado quase que obsoleto há cem anos atrás. Podemos nós imaginar que isto arrebatou o povo e produziu um imenso efeito?
Mas qual era o conteúdo e o tema da pregação que produziu efeito tão maravilhoso há cem anos atrás? Eu não insultarei o bom senso dos meus leitores dizendo apenas que a pregação deles era ‘simples, zelosa, fervorosa, verdadeira, amável, corajosa, viva' e assim por diante; é preciso que se compreenda que ela também era eminentemente doutrinária, positiva, dogmática e distinta. As fortalezas do pecado no século passado nunca teriam sido subjugadas meramente por zelo e ensinos errôneos. As trombetas que derrubaram os muros de Jericó não eram trombetas que emitiam sons incertos. Os evangelistas ingleses do século passado não eram homens de credo incerto. Mas o que era que eles pregavam? Alguma informação a este respeito não será sem utilidade.
Uma das coisas que os reformadores espirituais do século passado ensinaram constantemente era a suficiência e supremacia das Sagradas Escrituras. A Bíblia, toda e não mutilada, era a sua única regra de fé e prática. Eles aceitavam todas as suas afirmativas sem questioná-las ou colocá-las em dúvida. Eles não sabiam nada a respeito de porção alguma das Escrituras que não fosse inspirada. Eles nunca admitiram que o homem tenha em si alguma ‘faculdade verificadora', pela qual as asseverações das Escrituras pudessem ser avaliadas, rejeitadas ou aceitas. Eles nunca se esquivaram de asseverar que não pode haver erro na Palavra de Deus e que, quando não podemos entender ou conciliar algumas partes do seu conteúdo, a falta está no intérprete e não no texto. Em toda a pregação, eles eram eminentemente homens de um só livro. Estavam contentes em depositar sua confiança naquele livro e por ele resistir ou sucumbir. Esta era uma das características de suas pregações. Eles honravam, amavam e reverenciavam a Bíblia.
Além disso, os reformadores do século dezoito ensinavam constantemente a total corrupção da natureza humana. Eles nada sabiam da idéia moderna de que Cristo está em todos os homens, e de que todos possuem algo de bom dentro de si, que precisa apenas ser despertado e usado para poder salvá-los. Eles nunca agradaram a homens ensinando isso. Eles lhes diziam claramente que estavam mortos e que precisavam viver; que se encontravam culpados, perdidos, desamparados, desesperados e em perigo iminente de destruição eterna. Por mais estranho e paradoxal que possa parecer a alguns, o primeiro passo deles no propósito de tornar bom o homem, era mostrar-lhes que eles eram completamente maus, e o seu argumento primordial, no sentido de persuadir as pessoas a fazerem alguma coisa por suas almas, era convencê-los de que não podiam fazer nada por elas.
Além disso, os reformadores do século passado ensinavam constantemente que a morte de Cristo na cruz era o único meio de expiação para o pecado do homem, e que, quando Cristo morreu, Ele morreu como nosso substituto - ‘o Justo pelo injusto'. Este, na verdade, era o ponto cardinal em quase todos os seus sermões. Eles nunca ensinaram a doutrina moderna de que a morte de Cristo foi apenas um grande exemplo de auto-sacrifício. Eles viam nela algo muito mais elevado, maior e mais profundo do que isto. Viam nela o pagamento do assombroso débito do homem para com Deus. Eles amavam a pessoa de Cristo, se regozijavam nas Suas promessas e instavam os homens a andarem segundo o exemplo dEle. Mas o assunto que eles se deliciavam em tratar, acima de todos os outros, era o sangue redentor que Cristo derramou por nós na cruz.
Além disso, os reformadores do século dezoito ensinavam constantemente a grande doutrina da justificação pela fé. Eles anunciavam aos homens que a fé era a coisa necessária a fim de obterem, para suas almas, benefício na obra de Cristo; que antes de virmos a crer, estamos mortos e não temos benefício nenhum em Cristo e que a partir do momento em que cremos, passamos a viver e ter pleno direito a todos esses benefícios. Justificação por tornar-se membro de igreja, justificação sem crença e confiança, eram noções que eles não toleravam. Tudo, se você crer e a partir do momento em que crê; nada, se você não crer - era a própria essência da pregação deles.
Além disso, os reformadores do século dezoito ensinavam constantemente a necessidade universal de conversão do coração e uma nova criação pelo Espírito Santo. Eles proclamavam em todo lugar às multidões a que se dirigiam: ‘Vocês precisam nascer de novo'. Filiação a Deus através do batismo, filiação a Deus ao mesmo tempo em que fazemos a vontade do diabo, eles nunca admitiram. A regeneração que eles pregavam não era algo dormente, apático e inerte. Era alguma coisa que podia ser vista, discernida e conhecida através de seus efeitos.
Além disso, os reformadores do século dezoito ensinavam constantemente a ligação inseparável entre verdadeira fé e santidade pessoal. Eles nunca aceitaram por um só momento, que estar arrolado como membro de igreja ou a simples profissão de fé eram provas de que um homem era crente, se ele não vivesse uma vida piedosa. Um verdadeiro crente, eles sustentavam, deve sempre ser reconhecido por seus frutos e estes frutos devem ser plena e inequivocamente manifestos em todas as áreas da vida. ‘Ausência de frutos, ausência de graça,' era o teor invariável da pregação deles.
Finalmente, os reformadores do século dezoito ensinavam constantemente as doutrinas igualmente verdadeiras do ódio eterno de Deus pelo pecado e o amor de Deus pelos pecadores. Eles nada sabiam a respeito de um amor insuficiente para salvar do inferno e de um céu aonde santos e não santos são ambos finalmente admitidos. Eles usavam, tanto a respeito do céu como a respeito do inferno, a linguagem mais clara possível. Nunca recuaram em declarar, nos termos mais claros, a certeza do julgamento de Deus e da ira porvir, se os homens persistirem na impenitência e incredulidade; e apesar disso, nunca cessaram de magnificar as riquezas da bondade e compaixão de Deus e de conclamar todos os pecadores a arrependerem-se e voltarem-se para Deus antes que fosse tarde demais.
Estas eram as principais verdades que os evangelistas ingleses do século passado pregavam constantemente. Estas eram as principais doutrinas que eles estavam constantemente proclamando, quer na cidade quer no campo, quer em igrejas quer em céu aberto, quer entre ricos quer entre pobres. Estas foram as doutrinas através das quais eles viraram a Inglaterra de cabeça para baixo, e fizeram homens do campo e trabalhadores de minas de carvão chorarem até que suas faces sujas ficassem marcadas pelas lágrimas; cativaram a atenção de nobres e filósofos, tomaram de assalto as fortalezas de Satanás, arrancaram milhares como que tições do fogo, e mudaram o caráter da época. Você pode chamá-las de doutrinas simples e elementares se desejar. Diga, se lhe agradar, que você não vê nada de grande, surpreendente, novo ou peculiar nesta lista de verdades. Mas é inegável o fato de que Deus abençoou estas verdades, a ponto de reformar a Inglaterra há cem anos atrás. O que Deus abençoou não despreze o homem.

*Traduzido por Paulo R. B. Anglada, a partir de J. C. Ryle, Christian Leaders of 18th. Century (reprint, Edinburgh and Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1978), 149-79. Revisado por Cláudio Vilhena e Emir Bemerguy Filho.

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