Ele
era um homem de ardente amor por nosso Senhor Jesus Cristo. Este nome que está ‘acima
de todo nome' destaca-se incessantemente em toda a sua correspondência.
Como um ungüento perfumado, ele dá um aroma a todas as suas cartas. Ele parece
nunca cansar de dizer alguma coisa a respeito de Jesus. ‘Meu Mestre' como
George Herbert dizia, nunca fica fora de sua mente. Seu amor, Sua expiação, Seu
sangue precioso, Sua justiça, Sua prontidão em receber pecadores, Sua paciência
e maneira meiga de lidar com os santos, são temas que aparecem sempre frescos
diante de seus olhos. Pelo menos neste aspecto, há uma curiosa semelhança entre
ele e aquele glorioso teólogo escocês, Samuel Rutherford.
Ele
era um homem de incansável diligência e labor no que diz respeito nos negócios
de seu Mestre. Seria difícil talvez, encontrar alguém nos anais da Igreja que
trabalhou tão duro por Cristo e se gastou tão plenamente em seu serviço. Henry
Venn, no sermão fúnebre em sua lembrança, pregado em Bath, deu o seguinte
testemunho, ‘Que sinal e prodígio foi este homem de Deus, no que diz
respeito à imensidão dos seus labores! Alguém não pode senão ficar espantado
que a sua estrutura mortal pudesse, pelo espaço de quase trinta anos, sem
interrupção, sustentar o peso deles; pois o que é mais fatigante á estrutura
humana, especialmente na juventude, do que um esforço longo, contínuo,
freqüente e violento dos pulmões? Quem que conheça sua estrutura pensaria ser
possível que uma pessoa pouco acima da idade adulta, pudesse falar em uma
simples semana, e isto durante anos - em geral quarenta horas, e em muitas
semanas, sessenta - e isto para milhares de pessoas; e após seus labores, ao
invés de descansar, poderia elevar orações e intercessões, com hinos e cânticos
espirituais, como costumava fazer, em cada casa à qual era convidado? A verdade
é que, no que diz respeito ao labor, este extraordinário servo de Deus fez em
algumas semanas tanto quanto a maioria daqueles que, embora se esforçando,
consegue fazer no espaço de um ano.
Ele
foi até o fim, um homem de eminente auto-negação. Seu estilo de vida era o mais
simples. Ele foi notadamente um exemplo típico de moderação no comer e beber.
Durante toda a sua vida, ele acordava muito cedo. Sua hora habitual de
levantar-se era às quatro horas, tanto no verão como no inverno; e era
igualmente pontual na hora de recolher-se, cerca de dez horas da noite. Um
homem de oração, ele freqüentemente gastava noites inteiras em leitura e
devoção. Cornelius Winter, que freqüentemente dormia no mesmo quarto, diz que
ele às vezes levantava durante a noite com este propósito. Ele ligava muito
pouco para dinheiro, exceto como uma ajuda para a causa de Cristo, e o
recusava, quando lhe era oferecido para seu próprio uso. Uma vez recusou a
importância de sete mil libras. Ele não acumulou fortuna nem estabeleceu uma
próspera família. O pouco dinheiro que ele deixou ao morrer provinha
inteiramente de doações de amigos. O comentário vulgar que o Papa fez a
respeito de Lutero, ‘este animal alemão não ama o ouro', poderia bem
ter sido aplicado a Whitefield.
Ele
era um homem de notável desinteresse e simplicidade. Ele parecia viver apenas
para dois objetivos: a glória de Deus e a salvação de almas. Ele não tinha
objetivos secundários ocultos. Ele não levantou nenhum grupo de seguidores que
tomassem seu nome. Ele não estabeleceu nenhum sistema denominacional que
adotasse seus próprios escritos como elementos cardinais. Uma expressão sua é
bem característica do homem: ‘Que o nome de George Whitefield pereça contanto
que Cristo seja exaltado'.
Ele
era um homem de um espírito singularmente feliz e alegre. Ninguém que o visse
poderia jamais duvidar que ele se deleitava na sua religião. Perseguido que foi
de muitas maneiras por todo o seu ministério - caluniado por alguns, desprezado
por outros, deturpado por falsos irmãos, sofrendo oposição em todo lugar pelo
clero ignorante do seu tempo, preocupado por incessante controvérsia - sua
flexibilidade nunca falhou. Ele era um cristão eminentemente alegre, cuja
própria conduta recomendava a obra de seu Mestre. Uma venerável senhora de New
York, após sua morte, ao falar das influências através das quais o Espírito
ganhou seu coração para Deus, usou estas notáveis palavras: ‘O Senhor
Whitefield era tão feliz que isso me provocou a tornar-me uma cristã.'
Finalmente,
mas não menos importante, ele era um homem de extraordinária caridade,
catolicidade e liberalidade na sua religião. Ele nada conhecia daquele
sentimento tacanho que faz com que alguns homens imaginem que tudo tem que ser
estéril, fora de seus próprios campos, e que sua própria denominação tem um
completo monopólio da verdade e do Céu. Ele amava todos os que amavam o Senhor
Jesus com sinceridade. Ele media a todos com a medida que os anjos usam,
‘professam eles arrependimento para com Deus, fé no nosso Senhor Jesus Cristo e
santidade de vida?' Se sim, eles eram seus irmãos. Sua alma ligava-se com estes
homens, qualquer que fosse o nome com que fossem chamados. Diferenças menores
eram madeira, palha e restolho para ele. As marcas do Senhor Jesus eram as
únicas marcas que lhe interessavam. Essa catolicidade era mais notável quando o
espírito dos tempos em que viveu é considerado. Até mesmo os Erskines, na
Escócia, queriam que ele não pregasse em nenhuma outra denominação que não a
deles - isto é, a Igreja da Cessessão. Ele perguntou: ‘Por que somente
para eles?' - E recebeu a incrível resposta que ‘eles eram o povo do
Senhor.' Isto foi mais do que Whitefield podia suportar. Ele disse: ‘Se
não há nenhum outro povo de Deus senão eles, se todos os outros são povo do
diabo, eles certamente têm mais necessidade de pregação;' E ele finalizou
informando-os de que ‘se o próprio Papa lhe cedesse seu púlpito, ele
proclamaria alegremente nele a justiça de Cristo.' A esta catolicidade de
espírito ele aderiu todos os seus dias. Se outros cristãos o deturpassem, ele
os perdoava, e se recusassem trabalhar com ele, ainda assim ele os amava. Nada
pode ser um testemunho mais valioso contra a intolerância do que o seu pedido,
feito pouco antes da sua morte que, quando morresse, John Wesley fosse
convidado para pregar no seu enterro. Wesley e ele há muito não concordavam
sobre pontos calvinistas; mas Whitefield, até o fim, estava determinado a
esquecer as diferenças superficiais, e a considerar Wesley como Calvino
considerou Lutero: ‘Simplesmente um bom servo de Jesus Cristo.' Em
outra ocasião um severo professor de religião lhe perguntou ‘se ele
pensava que veria John Wesley no céu?' ‘Não, senhor,' foi a sua
extraordinária resposta; ‘eu temo que não. Ele estará tão próximo do trono,
e nós tão distantes, que dificilmente o veremos'.
Longe
de mim dizer que o assunto deste capítulo foi um homem sem faltas. Como todos
os santos de Deus, ele foi uma criatura imperfeita. Ele às vezes errava nos
seus julgamentos. Ele freqüentemente tirava conclusões precipitadas sobre a
providência divina, e se enganava, tomando as suas próprias inclinações como
sendo direção de Deus. Ele era freqüentemente apressado, tanto com sua língua
como com sua pena. Ele não hesitava em dizer que o ‘Arcebispo Tillotson
não sabia mais do Evangelho do que Maomé.' Ele errava em distinguir
algumas pessoas como inimigas do Senhor e outras como amigas do Senhor tão
precipitada e positivamente como às vezes fazia. Era censurável sua atitude de
denunciar muitos ministros como ‘fariseus,' porque não aceitavam a doutrina do
novo nascimento. Mas ainda assim, apesar de tudo que foi dito, não pode haver
dúvida de que, no geral, ele era um homem eminentemente santo, que se
auto-negava, e consistente. ‘As faltas do seu caráter,' diz um
escritor americano - ‘eram como pontos no sol, detectadas sem muita
dificuldade por qualquer observador moderado e cuidadoso que se esforce em
procurá-las, mas, para todo propósito prático, são pontos perdidos numa
efulgência geral e afável'. Quão bom seria para as igrejas dos nossos
dias, se Deus lhes desse mais ministros como o grande evangelista da Inglaterra
de cem anos atrás!
Apenas
nos resta dizer que aqueles que desejarem conhecer mais a respeito de
Whitefield fariam bem em ler com atenção os sete volumes de suas cartas e
outras publicações, que o Dr. Gillies editou em 1770. Eu estaria muito enganado
se quem fizer isso não for agradavelmente surpreendido com o seu conteúdo. E
motivo de espanto para mim que, dentre tantas reimpressões no século dezenove,
nenhum publicador tenha tentado reimprimir totalmente as obras de George
Whitefield.
Um
pequeno trecho da conclusão de um sermão pregado por Whitefield em Kennington
Common, pode ser interessante para alguns leitores, e pode servir para dar-lhes
uma pálida idéia do estilo do grande pregador. Foi um sermão baseado no texto, ‘Que
pensais vós do Cristo?' (Mt. 22:42).
‘Ó
meus irmãos, meu coração está dilatado para vocês. Eu confio que sinto alguma
coisa daquela escondida mas poderosa presença de Cristo enquanto estou pregando
a vocês. Sim, ela é doce - ela é extraordinariamente reconfortante. Todo o mal
que eu desejo a vocês que sem razão são meus inimigos, é que sintam o que estou
sentindo. Acreditem-me, embora fosse um inferno para minha alma retornar ao
estado natural novamente, ainda assim, eu desejaria trocar de estado com vocês
por um tempo, a fim de que vocês pudessem conhecer o que é ter Cristo habitando
em seus corações pela fé. Não voltem suas costas. Não deixem que o diabo os
faça sair correndo. Não temam a convicção de pecados. Não pensem mal das
doutrinas porque pregadas fora das paredes da igreja. Nosso Senhor, nos dias de
Sua carne, pregou em um monte, em um barco, em um campo, e eu estou persuadido
que muitos têm sentido aqui a Sua graciosa presença. A verdade é que nós
falamos do que conhecemos. Portanto, não rejeitem o reino de Deus, para o mal
de si próprios. Sejam sábios e recebam o nosso testemunho.
‘Eu
não posso, e não permitirei que partam. Permaneçam um pouco, e ponderemos
juntos. Por mais levianamente que vocês estimem suas almas, eu sei que o nosso
Senhor coloca nelas um valor indizível. Ele as considerou dignas de Seu
preciosíssimo sangue. Eu rogo a vocês, portanto, ó pecadores, que se
reconciliem com Deus. Eu espero que vocês não temam ser aceitos no Amado. Eis
que Ele chama vocês. Eis, Ele toma a dianteira e segue vocês com sua
misericórdia, e enviou Seus servos às ruas e becos para compeli-los a entrar.
‘Lembrem-se,
portanto, que nesta hora deste dia, neste ano, neste lugar, foi dito a todos o
que deveriam pensar a respeito de Jesus Cristo. Se vocês perecerem agora, não
será por falta de conhecimento. Eu estou livre do sangue de todos vocês. Vocês
não podem dizer que eu tenho pregado condenação. Não podem dizer que eu tenho, como
os pregadores legalistas, requerido que vocês façam tijolos sem palha. Eu não
tenho ordenado que vocês se façam a si mesmos santos e então venham a Deus. Eu
tenho oferecido a salvação a vocês nos termos mais fáceis que possam desejar.
Eu tenho oferecido toda a sabedoria de Cristo, toda a justiça de Cristo, toda a
santificação e eterna redenção de Cristo, se vocês apenas crerem nEle. Se você
disser que não pode crer, diz certo; pois a fé, assim como todas as outras
bênçãos, é dom de Deus. Mas então espere em Deus, e quem sabe se Ele não terá
misericórdia de você' .
‘Por
que não nutrimos mais pensamentos amorosos a respeito de Cristo? Você pensa que
Ele terá misericórdia de outros e não de você? Você não é pecador? Cristo não
veio a este mundo para salvar os pecadores?'
‘Se
você disser que é o maior dos pecadores, eu replico que isso não será
impedimento para a sua salvação. De fato não será, se você, pela fé se apegar a
Cristo. Leia os Evangelhos e veja quão amavelmente Ele se comportava para com
os seus discípulos, os quais O abandonaram e negaram. ‘Vão, digam aos meus
irmãos', diz Ele. Ele não diz, ‘vão digam àqueles traidores,' mas, ‘vão, digam
aos meus irmãos e a Pedro'. E como se Ele houvesse dito, ‘Vão, digam aos meus
irmãos em geral, e a Pedro em particular, que eu ressuscitei. Oh, confortem seu
coração abatido. Digam-lhe que eu estou reconciliado com ele. Ordenem que ele
não chore mais tão amargamente. Porque apesar de ter Me negado três vezes com
juras e imprecações, ainda assim Eu morri pelos seus pecados; Eu ressuscitei
novamente para sua justificação: Eu gratuitamente perdoei tudo.' Assim, lento
para irar-Se e de grande benignidade, foi nosso todo misericordioso Sumo
Sacerdote. E você pensa que Ele mudou Sua natureza e esqueceu-Se dos pobres
pecadores, agora que foi exaltado à direita de Deus? Não! Ele é o mesmo ontem,
hoje e para sempre; e assentou-Se ali apenas para interceder por nós'.
‘Venham,
portanto, vocês prostitutas; venham, vocês publicanos; venham, vocês pecadores
abandonados, venham e creiam em Jesus Cristo. Embora o mundo inteiro os
despreze e os expulse, ainda assim Ele não desdenhará tomá-los para Si. Oh, que
amor surpreendente, que amor condescendente! Mesmo vocês, ele não se
envergonhará de chamar Seus irmãos. Como escaparão vocês se negligenciarem tal
oferta gloriosa de salvação? O que não dariam os espíritos condenados agora nas
prisões do inferno, se Cristo lhes fosse tão graciosamente oferecido? E por que
não estamos erguendo nossos olhos em tormentos? Qualquer pessoa entre esta grande
multidão ousa dizer que não merece condenação? Por que somos deixados, enquanto
outros são tomados pela morte? O que é isto senão um exemplo da livre graça de
Deus, e um sinal da Sua boa vontade para conosco? Deixemos que a bondade de
Deus nos guie ao arrependimento. Oh, haja alegria nos Céus, por alguns de vocês
que se arrependam!'
FIM
FIM
*Traduzido
por Paulo R. B. Anglada, a partir de J. C. Ryle, Christian Leaders of
18th. Century (reprint, Edinburgh and Pennsylvania: The Banner of Truth
Trust, 1978), 149-79. Revisado por Cláudio Vilhena e Emir Bemerguy Filho.
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