quarta-feira, 18 de julho de 2012

Biografia George Whitefield – J. C. Ryle Parte 6 Capítulo 4 – Parte 1 O Ministério e Pregação de Whitefield



George Whitefield, na minha avaliação, foi tão decididamente o principal e o primeiro dentre os reformadores ingleses do século passado, que não me desculpo por oferecer algumas informações adicionais a seu respeito. O real bem que ele fez, o caráter peculiar da sua pregação, o caráter privado do homem, são todos pontos que merecem consideração. São pontos, posso acrescentar, a respeito dos quais tem havido muita compreensão incorreta.

Esta compreensão incorreta talvez seja inevitável, e não deveria nos surpreender. As fontes para que se forme uma correta opinião a respeito de um homem como Whitefield são necessariamente muito escassas. Ele não escreveu livros lidos por milhões, de fama universal, como ‘O Peregrino', de Bunyan. Ele não encabeçou cruzadas contra uma igreja apóstata com o apoio de uma nação e príncipes ao seu lado como Martinho Lutero. Ele não fundou nenhuma denominação, que ligasse sua fé aos seus escritos e preservasse cuidadosamente seus melhores atos e palavras. Há Luteranos e Wesleyanos nos dias presentes, mas não há ‘Whitefieldianos'. Não! O grande evangelista foi um homem simples e sincero, que viveu para uma coisa apenas: pregar a Cristo. Fazendo isto, ele não se importava com mais nada. Os registros a respeito desse homem são amplos e plenos nos céus, não há dúvida, mas são poucos e escassos na terra.
Não devemos esquecer, além disso, que muitos em todas as épocas não vêem nada em homens como Whitefield senão fanatismo e entusiasmo. Eles abominam tudo que se pareça com ‘zelo' em religião. Eles detestam todos os que viram o mundo de cabeça para baixo, fogem do velho caminho da tradição e não deixam o diabo sozinho. Tais pessoas, não tenho dúvidas, nos diriam que o ministério de Whitefield somente produziu excitação temporária, e que sua pregação era mera extravagância, não havendo nada de especial a ser admirado no seu caráter. E de se temer que a dezoito séculos atrás houvessem dito o mesmo a respeito do apóstolo Paulo.
A pergunta, ‘Que bem fez Whitefield?' é uma pergunta que eu respondo sem a menor hesitação. Eu acredito que o bem direto que ele fez às almas imortais foi enorme. Eu vou adiante, - eu acredito que foi incalculável. Testemunhas dignas de crédito na Inglaterra, Escócia e América registraram sua convicção de que ele foi um instrumento na conversão de milhares de pessoas. Muitos, onde quer que ele pregasse, foram não apenas satisfeitos, excitados, e arrebatados, mas abandonaram seus pecados, e foram feitos reais servos de Deus. ‘Enumerar pessoas', eu não esqueço, é em todos os tempos uma prática objetável. Somente Deus pode ler os corações e discernir o trigo do joio. Muitos, sem dúvida, em dias de excitação religiosa, são tidos como convertidos, os quais não o foram de modo algum. Mas eu desejo que meus leitores compreendam que a minha alta avaliação da utilidade de Whitefield é baseada em sólida base. Eu peço que observem bem o que os contemporâneos de Whitefield pensavam sobre o valor de seus labores.
Franklin, o bem conhecido filósofo americano era um homem frio e calculista, um Quaker por profissão, o qual, não é de se esperar, que viesse a fazer uma elevada avaliação do trabalho de nenhum ministro. Ainda assim ele confessou: ‘era maravilhoso ver a mudança logo efetuada através da sua pregação nos hábitos dos habitantes de Philadelphia. De descuidados ou indiferentes sobre religião, parecia como se o mundo inteiro estivesse se tornando religioso.' O próprio Franklin, deve-se notar, foi o principal editor de obras religiosas na Philadelphia, e a sua prontidão em imprimir os sermões e jornais de Whitefield mostram o seu julgamento da influência que Whitefield exercia na mente dos americanos.
Maclaurin, Willison, Macculloch, foram ministros escoceses cujos nomes são bem conhecidos no norte de Tweed, sendo que os dois primeiros merecidamente alcançaram elevada posição como escritores teológicos. Todos eles têm testificado repetidamente que Whitefield foi um instrumento na realização de imenso bem na Escócia. Willison em particular diz, ‘que Deus o honrou com surpreendente sucesso entre pecadores de todas as classes e convicções'.
O velho Henry Venn de Huddersfield e Yelling foi um homem de forte bom senso, assim como de grande graça. Sua opinião foi que ‘se a grandeza, extensão, sucesso e a ausência de sentimentos interesseiros nos labores de um homem podem conferir distinção entre os filhos de Cristo, então estamos autorizados a afirmar que dificilmente qualquer um se igualou ao Sr. Whitefield'. Novamente ele diz: ‘Ele foi abundantemente bem sucedido nos seus amplos labores. Os selos do seu ministério, do início ao fim, estou persuadido, foram maiores do que poderiam ser creditados se o número pudesse ser fixado. Uma coisa é certa: sua espantosa popularidade devia-se apenas à sua utilidade, pois ele mal abria a sua boca como um pregador e Deus conferia uma extraordinária bênção às suas palavras.'
John Newton era um homem perspicaz, assim como um eminente ministro do Evangelho. Seu testemunho é: ‘Aquilo que determinou o caráter do Sr. Whitefield como uma luz resplandecente, sendo agora sua coroa de júbilo, foi o singular sucesso que o Senhor se agradou em conceder-lhe de ganhar almas. Parecia que ele nunca pregava em vão. Dificilmente talvez haja um local em todo o extensivo âmbito de seus labores onde possam ainda ser encontrados alguns que não o reconheçam gratamente como seu pai espiritual.'
John Wesley não concordava com Whitefield em vários pontos teológicos de não pouca importância. Mas quando pregou seu sermão fúnebre, ele disse: ‘Temos nós lido ou ouvido de alguma pessoa que tenha chamado tantos milhares, tantas miríades de pecadores ao arrependimento? Acima de tudo, temos nós lido ou ouvido de alguém que tenha sido um instrumento abençoado na condução de tantos pecadores das trevas para a luz, e do poder de Satanás para Deus?'
Indubitavelmente, estes testemunhos são valiosos, mas há um ponto que eles não mencionaram. Este ponto é a quantidade do bem indireto que Whitefield realizou. Embora os efeitos diretos dos seus labores tenham sido grandes, eu acredito firmemente, que os efeitos indiretos foram ainda maiores. Seu ministério foi uma benção para milhares que talvez nunca o tenham visto ou ouvido.
Ele foi o primeiro, entre os evangelistas do século dezoito, a restaurar a atenção para as antigas verdades que produziram a Reforma Protestante. Suas constantes afirmações das doutrinas ensinadas pelos reformadores, suas repetidas referências aos artigos, homilias e escritos dos melhores teólogos ingleses, obrigaram muitos a pensar, compungindo-os a examinarem seus próprios princípios. Se toda verdade fosse conhecida, eu acredito que comprovaria que a ascensão e progresso do corpo evangélico da Igreja da Inglaterra recebeu um poderoso impulso de George Whitefield.
Mas este não é o único bem indireto que Whitefield fez em seus dias. Ele estava entre os primeiros a mostrar o caminho correto para enfrentar os ataques dos infiéis e céticos do cristianismo. Ele viu claramente que a arma mais poderosa contra tais homens não é um debate metafísico e dissertações críticas, mas pregar todo o Evangelho, viver todo o Evangelho, e disseminar todo o Evangelho. Os escritos de Leland, do jovem Sherlock, de Waterland, e de Leslie, não obtiveram a metade do sucesso que obteve a pregação de Whitefield e seus companheiros em reprimir a enchente de infidelidade. Estes foram os verdadeiros campeões do cristianismo. Infiéis raramente são abalados por meros debates abstratos. Os argumentos mais certos contra eles são a verdade do Evangelho e a vida do Evangelho.
Acima de tudo, ele foi o primeiro inglês que parece ter entendido plenamente o que o Doutor Chalmers apropriadamente chamou de sistema ofensivo. Ele foi o primeiro a ver que os ministros de Cristo devem fazer o trabalho de pescadores de homens. Eles não devem esperar que as almas venham a eles, mas devem ir atrás das almas, e ‘compeli-las a entrar'. Ele não sentava comodamente ao lado de sua lareira, como um gato num dia de chuva, lamentando-se a respeito da impiedade do país. Ele saía para enfrentar o diabo na sua cidadela; atacava o pecado e a impiedade face a face, e não lhes dava sossego. Ele penetrava nas ruas e becos atrás de pecadores; caçava a ignorância e o vício aonde quer que eles pudessem ser encontrados. Em resumo, ele aplicou um sistema de ação, que até o seu tempo era comparativamente desconhecido no seu país, mas um sistema o qual uma vez iniciado, nunca cessou de ser empregado até o dia de hoje. Missões nas cidades, missões nos grandes centros, sociedades de visitas distritais, pregações a céu aberto, missões nacionais, serviços especiais, pregações em teatros, tudo são evidências de que o valor do ‘sistema ofensivo' é agora generalizadamente reconhecido por todas as igrejas. Agora nós entendemos melhor como trabalhar do que entendíamos cem anos atrás. Mas nunca esqueçamos que o primeiro homem a dar início a estes tipos de atividades foi George Whitefield. Vamos dar a ele o crédito que merece.
O caráter peculiar da pregação de Whitefield é o próximo assunto que demanda algumas considerações. Os homens naturalmente desejam saber qual foi o segredo do seu sucesso sem paralelo. O assunto está envolto em consideráveis dificuldades, e não é tarefa fácil formar um julgamento correto a seu respeito. A idéia comum de muitas pessoas de que ele era um mero e comum metodista exaltado, notável por nada mais a não ser sua grande fluência, forte doutrina e uma poderosa voz, não suporta uma momentânea investigação. O Dr. Johnson foi tolo o suficiente para dizer, que‘ele vociferava e impressionava, mas não chamava mais atenção do que um charlatão; e que ele chamava atenção não por fazer melhor do que os outros, mas porque fazia algo estranho'. Mas Johnson foi tudo, exceto infalível nas suas opiniões sobre pastores e religião. Tal teoria não tem validade. Ela contradiz fatos inegáveis.
E fato que nenhum pregador na Inglaterra jamais obteve tanto sucesso em atrair a atenção de tão grandes multidões como Whitefield ao pregar constantemente ao redor de Londres. Nenhum pregador jamais foi tão universalmente popular em cada país que visitou, Inglaterra, Escócia e América. Nenhum pregador jamais manteve sua influência tão completamente sobre seus ouvintes como ele o fez por 34 anos. Sua popularidade nunca desvaneceu. Ela era tão grande no fim dos seus dias como o foi no início. Onde quer que ele pregasse, os homens deixavam suas lojas e empregos para reunirem-se ao redor dele, e ouvir como quem ouve para a eternidade. Só isso já é um grande fato. Obter a atenção das ‘massas' por um quarto de século, e pregar incessantemente por todo este tempo é uma evidência de um poder não comum.
Outro fato, é que a pregação de Whitefield produzia um poderoso efeito em pessoas de todos os níveis. Ele ganhou a admiração das altas e baixas camadas, dos ricos assim como dos pobres, dos eruditos assim como dos ignorantes. Se a sua pregação houvesse sido popular apenas entre os ignorantes e pobres, nós poderíamos pensar na possibilidade de que havia pouco nela exceto declamação e barulho. Mas, longe de ser este o caso, ele parece ter sido aceito por um bom número de nobres e pessoas bem educadas. O Marquês de Lothian, o Conde de Leven, o Conde de Duchan, o Lord Rae, o Lord Dartmouth, o Lord James A. Gordon, poderiam ser citados entre os seus mais calorosos admiradores, além de Lady Huntyngdon e uma grande quantidade de senhoras da Corte.
E um fato que eminentes críticos e homens de letras, como o Lord Bolingbroke e o Lord Chesterfield, foram pessoas que se deleitavam em ouvi-lo freqüentemente. Era reconhecido que mesmo o frio e artificial Chesterfield aquecia-se com a eloqüência de Whitefield. Bolingbroke disse: ‘Ele é o homem mais extraordinário do nosso tempo. Ele tem a eloqüência mais impressionante que jamais ouvi em qualquer pessoa.' Franklin, o filósofo, não mediu palavras ao falar dos poderes da sua pregação. Hume, o historiador, declarou que valia a pena viajar vinte milhas para ouvi-lo.
A verdade é que fatos como estes não podem ser invalidados. Eles derrubam completamente a teoria de que a pregação de Whitefield não foi nada, exceto barulho e exaltação. Bolingbroke, Chesterfield, Hume, e Franklin não eram facilmente enganáveis. Eles não eram juízes insignificantes de eloqüência. Eles estavam provavelmente entre os críticos mais qualificados de seus dias. Suas opiniões imparciais e sem preconceito parecem-me suprir uma prova inquestionável de que deve ter havido algo muito extraordinário a respeito da pregação de Whitefield. Mas, afinal, a questão permanece sem ser respondida: qual foi o segredo da popularidade e efetividade sem rival de Whitefield? Eu admito francamente que, devido à escassez das fontes que possuímos para formar nosso julgamento, a pergunta é difícil de ser respondida.
A pessoa que folhear os 75 sermões publicados de autoria de Whitefield, provavelmente ficará muito desapontada. Ela não verá neles um intelecto imponente ou profundidade de mente. Não achará neles uma profunda filosofia, nem pensamentos extraordinários. Mas, deve-se observar, entretanto, que a grande maioria foi anotada abreviadamente por repórteres, e publicados sem correção. Estes dignos homens parecem ter feito seu trabalho muito indiferentemente, e eram evidentemente ignorantes quanto à pontuação, parágrafos, gramática, e quanto ao Evangelho. A conseqüência é que muitas passagens nestes 75 sermões são o que o Bispo Latimer chamaria de uma ‘desfiguração', e o que nós chamaríamos hoje em dia de uma completa desordem. Não é de admirar que o pobre Whitefield tenha dito em uma de suas melhores cartas datada de 26 de setembro de 1769: ‘Eu desejaria que você tivesse advertido contra a publicação de meu último sermão. Ele não está tal qual eu preguei. Em alguns lugares a publicação me faz falar com discordância, e até sem sentido. Em outros lugares o sentido e a conexão são destruídos por parágrafos desconexos, de modo que o todo está totalmente impróprio para a leitura do público.'
Entretanto, eu me aventuro a dizer ousadamente, que com todas as suas faltas, os sermões impressos de Whitefield recompensarão sua leitura. O leitor deve lembrar-se de que eles não foram preparados cuidadosamente para impressão, como os sermões de Melville ou Bradley, mas foram pessimamente registrados, paragrafados, e pontuados, devendo lê-los com isto continuamente em sua mente. Além disso, deve lembrar-se que uma composição em inglês para ser falada a ouvintes, e uma composição em inglês para leitura privada, são quase que duas línguas diferentes; de modo que sermões bons para serem pregados são ruins quando lidos. Lembremo-nos destas duas coisas, e julguemos de acordo, e eu estaria muito enganado se não viéssemos a encontrar muito o que admirar em muitos dos sermões de Whitefield. Da minha parte, eu devo dizer claramente que eles são grandemente subestimados.
Deixe-me agora destacar o que parece ter sido as características distintivas da pregação de Whitefield.
Whitefield pregava um Evangelho singularmente puro. Talvez poucos homens tenham dado aos seus ouvintes tanto trigo e tão pouco restolho. Ele não se levantava para falar sobre sua denominação, sua causa, seu interesse ou seu ofício. Ele estava perpetuamente lhe falando a respeito dos seus pecados, do seu coração, de Jesus Cristo, do Espírito Santo, da absoluta necessidade de arrependimento, fé e santidade, do modo como a Bíblia apresenta estes importantes assuntos. ‘Oh, que justiça a de Jesus Cristo!' Ele sempre dizia: ‘Eu devo ser desculpado se menciono isso em quase todos os meus sermões.' Pregação desse tipo é a pregação que Deus se deleita em honrar. Ela deve ser preeminentemente uma manifestação da verdade.
A pregação de Whitefield era singularmente lúcida e simples. O que quer que seus ouvintes pensassem da sua doutrina, não podiam deixar de entender o que ele queria dizer. Seu estilo de falar era fácil, claro e coloquial. Ele parecia abominar sentenças longas e complicadas. Ele sempre tinha em vista o seu alvo e se dirigia diretamente para lá. Ele dificilmente atrapalhava seus ouvintes com argumentos obscuros e raciocínios intrincados. Afirmativas bíblicas simples, ilustrações adequadas, e exemplos pertinentes, eram as armas mais comuns que ele usava. A conseqüência era que seus ouvintes sempre o entendiam. Ele nunca atirava acima das cabeças dos seus ouvintes. Aí está outro importante elemento para o sucesso do pregador. Ele deve esforçar-se de todos os modos para ser entendido. O arcebispo Usher tinha um ditado muito sábio: ‘Fazer coisas simples parecerem difíceis é coisa que qualquer homem pode fazer, mas fazer coisas difíceis, simples, é a obra de um grande pregador'.
Whitefield era um pregador singularmente ousado e direto. Ele nunca usava aquela expressão indefinida ‘nós', que parece tão peculiar nos nossos púlpitos, e que apenas deixa a mente do ouvinte em um estado enevoado e confuso. Ele enfrentava os homens face a face, como alguém que tem uma mensagem de Deus para eles: ‘Eu vim aqui para lhe falar a respeito da sua alma.' O resultado era que muitos dos seus ouvintes costumavam pensar que os seus sermões eram dirigidos especialmente a eles. Ele não ficava contente como muitos, em apenas insistir em uma aplicação pobre, como que um apêndice no final de um longo discurso, pelo contrário, um constante veio de aplicação corria através de todos os seus sermões. ‘Isto é para você, e isto é para você'. Seus ouvintes nunca eram deixados sozinhos.
Outra característica marcante da pregação de Whitefield era o seu singular poder de descrição. Os árabes têm um provérbio que diz: ‘o melhor orador é aquele que pode transformar os ouvidos dos homens em olhos.' Whitefield parece ter tido uma faculdade peculiar para fazer isto. Ele dramatizava tão plenamente seu assunto, que parecia fazê-lo mover-se e andar diante dos seus olhos. Ele costumava traçar um desenho tão vivo das coisas que estava tratando, que seus ouvintes podiam crer que na verdade as viam e ouviam. ‘Em uma ocasião,' diz um de seus biógrafos, ‘Lord Chesterfield estava entre seus ouvintes. O grande pregador ao descrever a miserável condição de um pecador não convertido, ilustrou o assunto descrevendo um mendigo cego. A noite estava escura e o caminho perigoso. O pobre mendicante foi abandonado pelo seu cachorro próximo da beira de um precipício, e não tinha nada para ajudá-lo a apalpar seu caminho senão sua bengala. Whitefield empolgou-se tanto com seu assunto e o descreveu com tal poder gráfico, que todo o auditório ficou em total silêncio e sem respirar, como se estivesse vendo os movimentos do pobre velho homem; e finalmente, quando o mendigo estava a ponto de dar o passo fatal que o faria precipitar-se do despenhadeiro para inevitável destruição, Lord Chesterfield correu para salvá-lo exclamando em alta voz, ‘Ele caiu. Ele caiu!' O nobre Lord tinha sido tão inteiramente arrebatado pelo pregador, que esqueceu-se de que tudo era apenas uma descrição.'
Outra característica dominante da pregação de Whitefield era o seu tremendo fervor. Um homem pobre e sem educação disse que ‘ele pregava como um leão.' Ele conseguia mostrar ao povo que ele pelo menos cria em tudo que estava dizendo, e que o seu coração, alma, mente, e força, estavam empenhados em fazê-los acreditar nisto também. Os seus sermões não eram como os disparos vespertinos de canhão em Portsmouth, um tipo de descarga formal, disparada continuamente, mas que não perturba ninguém. Eles eram todos cheios de vida e de fogo. Não havia como escapar deles. Dormir era praticamente impossível. Você tinha que ouvir quer gostasse ou não. Havia neles uma santa violência que tomava de assalto a sua atenção. Você seria facilmente conquistado por sua energia antes que tivesse tempo de considerar o que fazer. Isto, podemos estar certos, era um dos segredos do seu sucesso. Nós devemos convencer os homens, de que nós mesmos somos sinceros, se quisermos ser acreditados. A diferença entre um pregador e outro, freqüentemente não está tanto nas coisas que são ditas, quanto no modo como são ditas.
Foi registrado por um de seus biógrafos que um senhor americano foi ouvi-lo, pela primeira vez, em conseqüência de um relato que ouvira dos seus poderes de pregação. O dia estava chuvoso, a congregação comparativamente pequena e o início do sermão um tanto quanto pesado. Nosso amigo americano começou a dizer a si mesmo: ‘Este homem não é nenhum grande prodígio, afinal de contas'. Ele olhou ao redor e percebeu a congregação tão pouco interessada quanto ele mesmo. Um homem de idade, em frente do púlpito, havia adormecido. Mas subitamente, Whitefield interrompeu. Sua expressão mudou. E então exclamou subitamente em um tom alterado: ‘Se eu tivesse vindo falar a vocês em meu próprio nome, bem que vocês poderiam descansar seus cotovelos em seus joelhos, e suas cabeças nas mãos e dormir; e apenas olharem aqui e ali, dizendo:do que este tagarela está falando? Mas eu não vim em meu próprio nome. Não! Eu vim em nome do Senhor dos Exércitos!' (então ele baixou as mãos e os pés com tanta força que fez com que o prédio tremesse), ‘E eu preciso ser ouvido.' A congregação assustou-se. O homem de idade logo acordou. ‘Ah, Ah.” Gritou Whitefield fixando nele os olhos, ‘eu o acordei, não foi? Era exatamente o que eu tencionava. Eu não vim aqui para pregar a troncos e pedras: eu vim a vocês em nome do Senhor dos Exércitos e preciso e terei uma audiência.' Os ouvintes foram rapidamente arrancados de sua apatia. Cada palavra do sermão a partir daí foi ouvida com profunda atenção, e o senhor americano nunca mais esqueceu o episódio.
Outra característica da pregação de Whitefield que merece uma nota especial era a enorme carga de emoção e sentimentos que continha. Não era coisa incomum para ele chorar profusamente no púlpito. Cornelius Winter, que freqüentemente o acompanhou em suas últimas jornadas, foi tão longe ao ponto de dizer que dificilmente o presenciara terminar um sermão sem algumas lágrimas. Mas, não parece ter havido nada de fingimento nisto. Ele se emocionava intensamente pelas almas diante dele e seus sentimentos encontravam uma saída nas lágrimas. De todos os ingredientes do seu sucesso, nenhum, eu suspeito, foi tão poderoso como este. Isto despertava afeições e tocava fontes secretas nos homens, as quais nenhuma argumentação e demonstração poderiam mover. Isto suavizava os preconceitos que muitos haviam concebido contra ele. Eles não podiam odiar o homem que chorava tanto por suas almas. ‘Eu vim ouvi-lo,' alguém disse a ele, ‘com os meus bolsos cheios de pedras, com a intenção de quebrar a sua cabeça; mas o seu sermão alcançou o melhor de mim e quebrou o meu coração.' Uma vez que alguém se torne convencido de que um homem o ama, este ouvirá alegremente o que ele tem a dizer.
Eu agora pedirei ao leitor que acrescente a esta análise da pregação de Whitefield o fato de que até por natureza ele possuía vários dos dons mais raros, os quais habilitam um homem a ser um orador. Seus gestos eram perfeitos - tão perfeitos que até mesmo Garrick, o famoso ator, o louvava sobremaneira. Sua voz era tão poderosa quanto seus gestos - tão poderosa que ele podia fazer com que trinta mil pessoas o ouvissem de uma vez, e ainda assim tão musical e bem entoada que alguns diziam que ele podia arrancar lágrimas pelo modo como pronunciava a palavra ‘Mesopotâmia'.Sua postura no púlpito era tão curiosamente graciosa e fascinante que era dito que as pessoas que o ouviam, em cinco minutos estavam esquecidas de que ele era vesgo. Sua fluência e domínio de uma linguagem apropriada eram da mais alta ordem, inspirando-o sempre a usar a palavra certa e a colocá-la no correto lugar. Acrescente, eu repito, estes dons às coisas já mencionadas e então considere se não há o suficiente em nossas mãos para explicar seu poder e popularidade como pregador.
Da minha parte, não hesito em dizer que acredito que nenhum pregador inglês jamais possuiu tal combinação de excelentes qualificações como Whitefield. Alguns, sem dúvida, o superaram em alguns dos seus dons; outros, talvez, o igualaram em outros. Mas, quanto a uma combinação bem balanceada de alguns dos mais finos dons que um pregador possa ter, unidos a uma voz, postura, estilo, gestos e domínio de palavras, Whitefield, eu repito minha opinião, está sozinho. Eu acredito que nenhum outro pregador inglês, morto ou vivo, jamais o igualou. E eu suspeito que sempre descobriremos que exatamente na proporção em que um pregador se aproxima dessa curiosa combinação de raros dons os quais Whitefield possuía, exatamente nesta proporção eles obtém o que Clarendon define ser a verdadeira eloqüência - ‘um estranho poder de se fazer acreditar.'
A vida íntima e o caráter pessoal desse grande herói espiritual do século passado são um ramo do meu assunto no qual não me demorarei. De fato, não há necessidade para fazer isso. Ele era um homem singularmente transparente. Não havia nada sobre ele que requeresse apologia ou explicação. Suas faltas e boas qualidades eram ambas claras e evidentes como o meio-dia. Portanto, eu me contentarei em simplesmente destacar as características proeminentes do seu caráter até onde for possível serem deduzidas de suas cartas e dos relatos dos seus contemporâneos, e então trazer meu esboço dele a uma conclusão.
Ele era um homem de profunda e sincera humildade. Ninguém pode ler as suas mil e quatrocentas cartas, publicadas pelo Doutor Gillies sem observar isto. Repetidas vezes, no próprio apogeu de sua popularidade, nós o encontramos falando de si mesmo e do seu trabalho nos termos mais baixos. ‘Deus, tem misericórdia de mim, um pecador', ele escreve em 11 de setembro de 1753, ‘e dá-me, por amor da Tua infinita misericórdia, um coração humilde, agradecido e resignado. Eu sou verdadeiramente mais vil do que o mais vil dos homens, e fico espantado de usares tal miserável como eu'. ‘Que nenhum dos meus amigos,' ele escreve em 27 de dezembro de 1753, ‘clame a tal verme indolente, morno e inútil: poupa-te a ti mesmo. Ao invés disso, estimulem-me, eu suplico, dizendo: acorda, dorminhoco, e começa a fazer alguma coisa para o teu Deus.' Linguagem como esta, sem dúvida, parece tolice e fingimento para o mundo; mas o leitor da Bíblia bem instruído verá nela a experiência do coração de todos os santos mais brilhantes. E a linguagem de homens como Baxter, Brainerd e M'Cheyne. E a mesma inclinação que havia no inspirado Apóstolo Paulo. Aqueles que têm mais luz e graça são sempre os homens mais humildes.



*Traduzido por Paulo R. B. Anglada, a partir de J. C. Ryle, Christian Leaders of 18th. Century (reprint, Edinburgh and Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1978), 149-79. Revisado por Cláudio Vilhena e Emir Bemerguy Filho.

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